Resenha – Is This The Life We Really Want?

“Picture a leader with no fucking brains”
RW, in Picture That

Com muita vergonha para um fã, descobri há pouco tempo que o Roger Waters lançou um álbum novo… no ano passado! Ou seja, dá pra notar que, realmente, ando com pouco tempo para ouvir música – hora de consertar isso, e obrigado, Deezer, por me mostrar esse problema. Seja como for, vamos ao álbum propriamente dito.

Aproveitando que só li uma resenha sobre ele (só pra bater minhas opiniões com a de mais alguém), e não li mais nenhuma crítica em mídia especializada e nem vi comentários em fóruns e listas de discussão, vou aqui comentar o que, efetivamente, eu senti pelo álbum – que precisei de ouvir várias vezes para absorver adequadamente o conteúdo pesado que o Roger colocou nele.

Já há alguns anos vínhamos notando um RW bem politizado. Conflito na Palestina e guerra do Kosovo foram exemplos recentes de temas de músicas compostas por ele. E, claro, não poderia deixar de ser, agora vemos referências aos refugiados da Síria, a vida da sociedade atual, e ainda mais críticas a governantes do mundo  – claro, sobrou mais um pouco para um certo presidente topetudo dos EUA, que bem merece. Nesse álbum, temos tudo isso, com um tom melódico com bastantes referências a trabalhos anteriores – incluindo trabalhos quando estava no Pink Floyd. A atmosfera de “Amused to Death” e “Animals” está presente. Mas há um leve toque de contemporaneidade nas leves batidinhas eletrônicas em algumas músicas, ou no violão solo em algumas outras canções. Parece difícil, mas o álbum conseguiu ficar harmônico e, como de costume, você nota um mesmo “tema melódico” em várias canções.

Vamos às músicas na sequência:

1 – When We Were Young
Essa “música” é, na verdade, um discurso falado, introduzindo a que vem logo a seguir, e demonstrando logo o ‘espírito’ do álbum. O discurso traz alguma reflexão sobre “quando se é mais novo”, trazendo algumas cenas da adolescência… que podem ser duras e marcam muito nossas vidas, como no final, chega-se à sequência: “Where are you now?/Don’t answer that/I’m still ugly/You’re still fat/I’ve still got spots/I’m still afraid”.

2. “Déjà Vu”
Aqui o álbum começa “pra valer”. É a música que tem a base melódica que você vai ouvir no resto do álbum quase todo. Começa lenta e calmamente ao som de violão e piano, simplesmente incrível, e vai evoluindo, aumentando o volume, acelerando, trazendo mais elementos ao longo da execução, incluindo as tão famosas inserções de áudios como vozes faladas, barulhos de explosão, etc.
Nessa música, RW reflete o que faria se fosse Deus ou um Drone. “Se eu tivesse  sido Deus…”/”se eu tivesse sido um drone…”, pensando nas coisas que faria no passado para evitar coisas que acontecem hoje – “The temple’s in ruins/The bankers get fat/The buffalo’s gone/And the mountain top’s flat”.
Não é a primeira vez que ele faz esse tipo de música. A canção “If”, do álbum “Atom Heart Mother”, do Pink FLoyd, já trazia várias vezes a combinação do tipo “se eu fosse isso, faria aquilo”, mas a canção atual faz a combinação levando a uma crítica social, diferente do anterior, mais romantizado.
E a figura do ‘drone’ na música me faz lembrar do álbum Radio KAOS, onde havia menções de um satélite lá no alto vigiando tudo aqui em baixo… um grande ‘big brother’ – e daí também a comparação com Deus.
Vale notar que entre as músicas mais ouvidas do RW no Deezer, esta está em primeiro lugar.

3. “The Last Refugee”
Embora o nome vá dar uma ideia de música que mencione a crise dos refugiados da Síria, não é nada disso. Está mais pra uma música romântica, ainda que com ambiente melancólico (como de costume), mas que, sim, vai te levar a rememorar a cena de refugiados chegando às praias da Europa após uma travessia bizarra no Mediterrâneo: “And you’ll find my child/Down by the shore/Digging around for a chain or a bone/Searching the sand for a relic washed up by the sea/The last refugee”.

4. “Picture That”
Uma das melhores músicas do álbum, pra mim. A letra te leva a pensar imaginar um mundo sem “várias porcarias” da atualidade que são listadas – inclusive, dela saiu o trechinho que está lá no topo desse post, mais uma crítica a certo político da atualidade (tipo de coisa que ele adora fazer em seus álbuns, caso não se lembrem de “Pigs” do álbum “Aninals” do Pink Floyd). A melodia tem elementos modernos, mas com sonoridade que remete a álbuns anteriores.

5. “Broken Bones”
Voltamos a uma música mais calma, com começo só no violão – crescendo ao longo do tempo, e reflexiva no seu conteúdo… “And oh mistress liberty/How we abandoned thee?” e “We cannot turn back the clock/Cannot go back in time/But we can say ‘fuck you’ we will not listen to/Your bullshit and lies” são pontos fortes da mensagem que ele quis passar dessa faixa. E nem sei se preciso comentar muito…

6. “Is This the Life We Really Want?”
Eis a canção que dá nome ao álbum, e que é, com méritos, a grande canção do álbum. Ao ouvir essa canção, você vai achar que é o Johnny Cash, mas é Roger Waters mesmo, acredite. A sonoridade ficou incrível, música bem trabalhada, com batida e sons modernos, mas que não descaracterizam em nada o trabalho do Waters – e passa muito bem a crítica que deseja passar.
Essa música é introduzida com um pedaço de uma fala do Donald Trump, que, pra facilitar, vou escrever, abaixo:

“So as an example you’re CNN. I mean it’s story, after story, after story is bad. I won. I won. And the other thing, chaos. There’s zero chaos. We are running. This is a fine-tuned mach”…

Preciso dizer que tipo de vida estamos levando hoje e a música questiona se é o que realmente queremos? “It’s not enough that we succeed/We still need others to fail/Fear, fear drives the mills of modern man/Fear keeps us all in line/Fear of all those foreigners/Fear of all their crimes/Is this the life we really want?/It surely must be so/For this is a democracy and what we all say goes”. O resto da música inteira aponta exemplos de fatos que demonstram a “anestesia” que a sociedade hoje vive. Como se hoje fôssemos todos idiotas, ou algo assim. A crítica aqui é à indiferença da sociedade. É isso que queremos? Ou simplesmente nem sabemos o que queremos, ou sabemos e estamos demais deixando rolar? “So, like the ants, are we just dumb?/Is that why we don’t feel or see?/Or are we all just numbed out on reality TV? / So, every time the curtain falls/Every time the curtain falls on some forgotten life/It is because we all stood by, silent and indifferent“…

7. “Bird in a Gale”
Essa música mal começa e você acha que está ouvindo um misto de músicas do Amused to Death com Radio KAOS. Começa com um rádio-relógio tocando, que mais parece uma bomba prestes a explodir. Quem se lembra da quase-explosão em Radio KAOS vai sentir a mesma sensação. Pra ‘variar’ um pouco, a letra traz sensações bem melancólicas… “Does the pain of your loss seep into your feathers like rain?”…


8. “The Most Beautiful Girl In The World”
Música mais calminha, mas com uma crítica, pra mim, à sociedade e talvez aos próprios EUA. Veja como começa a letra: “She may well have been/The most beautiful girl in the world/Her life snuffed out/Like a bulldozer crushing a pearl”. A melodia é muito bonita.

9. “Smell the Roses”
Eis que aparece um Blues muito animado, com letra irônica! 🙂 Em determinada parte,” Wake up/Wake up and smell the roses/Close your eyes and pray this wind don’t change ” e logo depois, ” This is the room where they make the explosives/Where they put your name on the bomb/Here’s where they bury the buts and the ifs/And scratch out words like right and wrong”.
Pra quem gosta de “Dogs” do álbum Animals, vai achar que está na segunda parte da música. Sim, tem os cachorros latindo. Tem solos bacanas no meio (não tão longos, mas tem). A letra, como já vimos, segue na crítica – mas critica mais a sociedade do que necessariamente as autoridades.

10. “Wait for Her”
Com essa canção, voltamos ao ambiente do álbum criado lá nas primeiras canções (melodia com frases semelhantes ou repetidas desde o início, começo da música quase só voz e um ou dois instrumentos, com calma, e depois crescendo).  Melancólica, quase angustiante, com letra mais para o lado otimista/romântico, “Serve her water before wine/Do not touch her hand/Let your fingertips rest at her command/
Speak softly as a flute would to a fearful violin “, mas acaba com “And as the echo fades from that final fusillade/Remember the promises you made”…
O mais interessante é saber que essa música foi inspirada na tradução de “Lesson from the Kama Sutra (Wait for Her),” do poeta palestino Mahmoud Darwish – talvez explique sobre a menção ao tiroteio.

11. “Oceans Apart”
Segue o ambiente da música anterior, também no ambiente melódico criado para o álbum. Tem só um minuto e serve de introdução para a última música. Mais uma falando de amor: “She was always here in my heart/Always the love of my life”.

12. “A Part of Me Died”
A melodia é praticamente a mesma do álbum inteiro. E começa exatamente onde acaba a música anterior. Lá,ele termina dizendo que, quando pôs os olhos na moça da letra, uma parte dele morreu – e aqui começa a descrição de que parte: a parte que seria “tudo de ruim” em alguém. Ou seja, temos uma música de esperança no amor. “It would be better by far to die in her arms/Than to linger/In a lifetime of regret”


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