Um campo missionário chamado Cuba

Fonte: O Jornal Batista, de 26/04/2015, pg 11
Autor: Claudinei Godoi – missionário da JMM em Cuba

Quando estivemos em Havana e Santiago de Cuba, ficamos hospedados em um hotel de uma rede estatal com muitos traços de decadência, embora mesclados a resquícios de uma remota imponência.

A impressão que se tem é de que Cuba vive em dois mundos. Em Havana, a capital, há bairros nobres com grandes casarões que ainda preservam o período áureo de quando o regime militar, apoiado por empresas multinacionais americanas, governava a ilha e, pouco
adiante, residências cuja fachada remete à mesma pompa arquitetônica, mas que estão em frangalhos e não passam de grandes cortiços, prestes a desabar.

O mesmo contraste se aplica aos automóveis. Existem aos montes os famosos “cacarecos” antigos que circulam pela ilha desde os anos 1950, mas também poucos carros de luxo, ainda que em número reduzido.

Existem duas moedas em circulação: o peso cubano e o CUC (peso cubano conversível), criado em 1994 com o objetivo de retirar os dólares americanos de circulação. O CUC é uma moeda forte e é geralmente usada por turistas. Um CUC corresponde a
24 pesos cubanos. O salário médio de um cubano é de 10 CUC e, mesmo um médico, ganha o equivalente a 40 CUC, um pouco mais de 120 reais.

Mesmo em Havana não se vê supermercados, mas pequenas lojas de abastecimentos que, com suas prateleiras quase vazias, recebem enormes filas de pessoas buscando sua porção para o mês.
Todos trazem à mão uma pequena caderneta que dá direito a dez ovos, 250 gramas de feijão, 250 mililitros de óleo de cozinha, dois quilos de açúcar, um quilo de sal a cada dois meses, dois quilos de arroz e ainda dois quilos de carne de frango ou porco.

Segundo as pessoas com as quais conversei, tudo dura cerca de nove a dez dias. Perguntei-lhes então como fazem para sobreviver.

“Buscando comprar o que comer no mercado negro e, dependendo da família, com vizinhos”, respondeu-me um jovem cubano.

Restringidos de sua liberdade e tendo dificuldades para conseguir o pão diário, já que a luta em Cuba é para conseguir a comida para o dia, criou-se na ilha um forte sentimento de solidariedade e identidade coletiva. Se não há solidariedade, não se sobrevive.

“Chegando a Cuba você terá vizinhos e, tendo vizinhos, você não estará só! Tendo vizinhos eles se preocuparão se você tem comida em casa”, expressou uma senhora que encontrei caminhando pelo centro de Havana.

Ficou claro para mim que, sem relações de solidariedade, particularmente a relação familiar, a pobreza material, uma sina da maioria dos cubanos, se transforma em miséria: um indivíduo dificilmente pode sobreviver sem família ou vizinhos.

Em conversa com um importante pastor cubano, ele explica que “Devido ao embargo econômico que dura mais de 50 anos, o governo criou uma ‘geração de ladrões’, pois, para sobreviver, todos têm que ‘roubar’, isto é, comprar comida no mercado negro”.

Apesar de todas as limitações, o Evangelho cresce aos olhos de Fidel. Como explicar este crescimento? Seria a perseguição o combustível que coloca a igreja em direção ao propósito de Deus?

Minha esposa, a missionária Priscila, e eu temos agora um novo e grande desafio pela frente. Seremos os primeiros missionários brasileiros enviados pela JMM a Cuba.

Pessoas de várias igrejas me perguntam se tenho medo e respondo que não. O que me preocupa em relação à nossa ida a Cuba é o fato de que eu mesmo, consciente ou não, seja tentado a fornecer um programa ideológico que necessariamente não tenha a ver com os enquadramentos conceituais e práticos do Reino. Que, refém de uma mentalidade capitalista, seja tentado a querer “mudar o mundo”.

Todo ser humano foi criado para ser comprometido com a construção do humano ou das condições necessárias para que todos vivam bem. Contudo, necessitamos entender que, por trás de tudo, existe a mão de Deus, construindo cada evento da história. Sigamos juntos, não abaixemos os braços, pois somos participantes do maior e único projeto de redenção já em andamento.

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